Direitos Trabalhistas dos Trabalhadores Rurais: Análise da situação e proteção pelo Direito do Trabalho no Brasil
- Andreza Jacobsen
- 28 de mar.
- 6 min de leitura
Os trabalhadores rurais no Brasil representam uma parcela significativa da força de trabalho, especialmente em regiões agrícolas e zonas rurais do país. No entanto, apesar de sua importância para a economia nacional, os direitos trabalhistas desses trabalhadores muitas vezes ficam em segundo plano. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece uma série de proteções para os trabalhadores urbanos, mas a situação dos trabalhadores rurais exige uma análise mais detalhada, considerando as peculiaridades desse segmento.
Inicialmente convém conceituar quem é o trabalhador/empregado rural que é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário. O trabalhador que presta serviço em um sítio no qual existe algum tipo de produção econômica, ainda que pequena, como pecuária ou agricultura, é considerado empregado rural. O empregado rural tem seus direitos regulamentados na Lei nº 5.889/73, no Decreto nº 10.854, de 10/11/2021, no artigo 7º da Constituição Federal e em alguns artigos da CLT.
Os trabalhadores rurais no Brasil desempenham atividades essenciais para o abastecimento de alimentos e a produção agrícola do país. Contudo, enfrentam uma série de desafios que incluem a precarização das condições de trabalho, a ausência de direitos básicos e, em muitos casos, a exploração de mão de obra. Historicamente, a condição dos trabalhadores rurais no Brasil foi marcada pela escravidão e, posteriormente, pela forte desigualdade no acesso aos direitos trabalhistas.
Embora a CLT tenha sido criada para proteger os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, a aplicação dessas leis no campo sempre foi problemática. Isso ocorre devido à resistência por parte dos empregadores, à falta de fiscalização efetiva e às especificidades das atividades rurais que demandam uma regulamentação mais detalhada.
A CLT, desde sua criação em 1943, estabelece uma série de direitos que buscam garantir a proteção dos trabalhadores em diversas categorias, incluindo os rurais. A principal legislação voltada aos trabalhadores rurais na CLT é o artigo 7º, que estabelece uma série de direitos aplicáveis ao trabalho no campo. Entre as disposições da CLT que se aplicam aos trabalhadores rurais, podemos destacar:
Jornada de Trabalho: A jornada de trabalho no campo é regulamentada pela CLT e deve ser de, no máximo, 8 horas diárias e 44 horas semanais. No entanto, as características da produção agrícola, como sazonalidade e a necessidade de trabalho em períodos específicos do ano, podem levar à flexibilização dessas regras, o que pode gerar abusos e jornadas excessivas.
Descanso Semanal Remunerado: Assim como para os trabalhadores urbanos, a CLT garante o direito ao descanso semanal remunerado. No entanto, o cumprimento dessa norma no meio rural é, frequentemente, ignorado, especialmente em atividades que exigem trabalho contínuo durante certas épocas do ano.
Férias: Os trabalhadores rurais têm direito a 30 dias de férias a cada 12 meses de trabalho, com o pagamento da remuneração correspondente. Contudo, a concessão de férias é muitas vezes negada, e os trabalhadores têm dificuldade em usufruir desse direito.
Seguro Desemprego e FGTS: O direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e ao seguro-desemprego também se aplica aos trabalhadores rurais, embora, na prática, muitos trabalhadores não consigam acessar esses benefícios devido a contratos informais ou temporários.
A proteção aos direitos dos trabalhadores rurais também se concretiza no plano internacional através das convenções de Organização Internacional do Trabalho (OIT) que desempenha um papel fundamental na promoção e proteção dos direitos dos trabalhadores ao redor do mundo, incluindo os trabalhadores rurais.
A OIT define normas internacionais de trabalho por meio de convenções e recomendações que os países membros devem seguir para garantir a dignidade e os direitos dos trabalhadores, independentemente do setor em que atuam. Todavia em específico no que tange aos trabalhadores rurais a Convenção 11 da OIT de 1921, preceitua sobre as Relações de Trabalho nas Fazendas com o objetivo garantir a regulamentação das condições de trabalho nas propriedades rurais, buscando garantir uma proteção mais sólida para os trabalhadores agrícolas exigindo que os países membros adotem normas para regulamentar as condições de trabalho nas propriedades rurais, protegendo os trabalhadores de abusos e explorações. Além disso, recomenda-se que as relações de trabalho no meio rural sejam formalizadas por contratos de trabalho, garantindo aos trabalhadores direitos como remuneração justa, descanso, e condições adequadas de saúde e segurança. Quanto ao bem-estar e saúde, o mínimo que deve ser garantido trabalhadores é que tenham acesso à condições básicas de bem-estar, como alojamento adequado, alimentação e atendimento médico.
Já a Convenção 184, de 2001, especificamente aborda sobre a Segurança e Saúde no Trabalho Rural, visto que, os trabalhadores estão expostos a uma série de riscos, como o uso de agrotóxicos, acidentes com máquinas agrícolas e condições insalubres de trabalho. Por isso, a convenção, e os países membros tem como dever conforme a legislação: a) Garantir que as condições de trabalho no campo sejam seguras e saudáveis; b) Promover a formação e a conscientização sobre os riscos ocupacionais e os direitos dos trabalhadores; c) Estabelecer medidas específicas para proteger a saúde e segurança dos trabalhadores, especialmente na exposição a produtos químicos e substâncias perigosas.
A Convenção 141, de 1975, trata da organização do trabalho no meio rural e visa melhorar as condições sociais e econômicas dos trabalhadores rurais por meio da organização e da representação sindical. Ela sugere que os países promovam sindicatos e associações de trabalhadores rurais que ajudem a melhorar a voz e as condições desses trabalhadores no processo de negociação com os empregadores.
Embora a Convenção 156, de 1981, trate da igualdade de oportunidades e tratamento entre homens e mulheres, ela é relevante para o contexto dos trabalhadores rurais, pois aborda a discriminação de gênero no trabalho rural, um setor tradicionalmente dominado por uma mão de obra masculina. A convenção busca garantir que mulheres e homens, em todas as esferas do mercado de trabalho, inclusive no campo, tenham as mesmas oportunidades e tratamento, sem discriminação salarial ou de função.
Apesar da existência de uma legislação que visa proteger os trabalhadores rurais, a realidade no campo é repleta de desafios e dificuldades. A seguir, são abordados os principais problemas enfrentados por esses trabalhadores:
A Informalidade no Emprego Rural: Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais é a informalidade no emprego. Grande parte da força de trabalho no campo é contratada de forma verbal, sem registro em carteira ou a devida formalização do vínculo empregatício. Isso impede que os trabalhadores tenham acesso a direitos básicos, como FGTS, férias e 13º salário. Essa informalidade também dificulta a fiscalização das condições de trabalho e a aplicação das leis.
As condições de Trabalho Precárias: Muitas vezes, os trabalhadores rurais são submetidos a condições de trabalho insalubres e perigosas, como exposição a agrotóxicos, ambientes de trabalho sujos e insalubres, além da falta de equipamentos de segurança adequados. A fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é insuficiente para garantir que os empregadores cumpram as normas de segurança e saúde no trabalho.
A Jornada de Trabalho Excessiva: A jornada de trabalho no campo pode ser excessiva, especialmente durante as épocas de colheita. As jornadas de 12 horas ou mais, sem o devido descanso, são comuns no meio rural. Embora a CLT preveja a limitação da jornada, as peculiaridades da atividade rural tornam difícil o cumprimento rigoroso dessa norma.
O Trabalho Infantil e Condições de Exploração: O trabalho infantil ainda é uma realidade em muitas zonas rurais, especialmente nas regiões mais afastadas. Crianças e adolescentes são frequentemente envolvidas em atividades agrícolas de maneira ilegal e precária. O trabalho infantil no campo é uma violação dos direitos humanos e das normas estabelecidas pela CLT e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A Falta de Acesso à Justiça e à Assistência Jurídica: Os trabalhadores rurais enfrentam dificuldades significativas para acessar os direitos trabalhistas devido à falta de informação e à distância geográfica das instâncias jurídicas. Muitas vezes, esses trabalhadores não têm conhecimento de seus direitos ou enfrentam barreiras para acessar a justiça, como custos elevados ou a escassez de advogados especializados.
A necessidade de Fortalecimento da Representação Sindical: Infelizmente ainda há carências quanto à associações de trabalhadores rurais para defender os interesses dessa categoria, garantindo-lhes voz nas discussões sobre salários e condições de trabalho. Por isso, é primordial o reforço de atuação na defesa dos direitos violados dos trabalhadores rurais.
A emergência da Capacitação e Formação Profissional: Investir na capacitação dos trabalhadores rurais, proporcionando-lhes treinamentos que os ajudem a melhorar sua produtividade e a segurança no trabalho.
Embora a legislação trabalhista brasileira, em especial a CLT, estabeleça uma série de direitos para os trabalhadores rurais, a realidade no campo é desafiadora. A informalidade, as condições de trabalho precárias, a jornada excessiva e a falta de fiscalização eficaz criam um ambiente de exploração que compromete a efetividade dos direitos trabalhistas. Para melhorar a situação dos trabalhadores rurais, é fundamental fortalecer a fiscalização, garantir a formalização dos contratos de trabalho e promover políticas públicas que assegurem melhores condições de vida e de trabalho para essa categoria.
A proteção dos direitos dos trabalhadores rurais não deve ser apenas uma questão legal, mas também uma questão de justiça social. É preciso que o Brasil avance na criação de condições que permitam que esses trabalhadores possam exercer suas atividades de forma digna, com respeito aos seus direitos e à sua qualidade de vida.
Núcleo Científico Interno (NCI)
Ma. Andreza da Silva Jacobsen
Esp. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 28 mar. 2025.
BRASIL. Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973. Estatui normas reguladoras do trabalho rural. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5889.htm. Acesso em: 28 mar. 2025.
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região-RS (TRT-4). Cartilha do Trabalho Rural. 4 ed. Porto Alegre, 2024.
Comments