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Ações judiciais em Saúde Mental no Brasil: desafios entre o acesso e a possibilidade do estado

  • Foto do escritor: Andreza  Jacobsen
    Andreza Jacobsen
  • 16 de jan.
  • 6 min de leitura

A saúde mental tem sido cada vez mais discutida dentro do direito à saúde, especialmente no que se refere à obrigação do Estado de fornecer tratamento adequado para pessoas com transtornos mentais. As ações judiciais em saúde mental no Brasil refletem um contexto complexo, em que as questões relacionadas à saúde mental, a responsabilização do Estado e os direitos dos pacientes se entrelaçam. A judicialização da saúde mental, que se intensificou nas últimas décadas, é um fenômeno crescente que tem ganhado visibilidade no país. Essa judicialização ocorre principalmente devido à carência de serviços públicos especializados, às limitações no Sistema Único de Saúde (SUS), ao desrespeito aos direitos dos pacientes e à necessidade de garantir o acesso a tratamentos adequados. Conforme a Constituição Federal o direito à saúde como preceito fundamental social está presente em seu artigo 6º.

O art. 196 da Constituição estabelece que "a saúde é direito de todos e dever do Estado", implicando que o Estado tem a obrigação de fornecer um sistema de saúde universal, integral e igualitário. Dentro desse contexto, a saúde mental é considerada parte fundamental do direito à saúde, sendo, portanto, um direito humano que deve ser protegido pelo Estado. A Constituição, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), a Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) e outros tratados internacionais asseguram que os indivíduos com transtornos mentais devem ser tratados de forma digna, respeitando seus direitos humanos e sociais.


A Lei nº 10.216/2001, que trata da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais, também é um marco importante na consolidação de direitos das pessoas com doenças mentais, buscando a reintegração social e o tratamento em liberdade, com a implementação de serviços substitutivos e a redução do uso de internações em hospitais psiquiátricos.


A judicialização da saúde mental no Brasil pode ser entendida como o fenômeno em que o Judiciário intervém para assegurar o direito dos indivíduos à saúde mental, especialmente em situações de negligência ou omissão do poder público em relação ao atendimento especializado. Diversos fatores contribuem para a judicialização da saúde mental no Brasil, como a falta de serviços especializados, o atraso nas políticas públicas, a superlotação dos hospitais psiquiátricos e a dificuldade de acesso ao tratamento adequado.


Mas, o quais os principais motivos que levam a judicialização da saúde mental no Brasil? As lacunas no sistema como: a) Falta de Atendimento Adequado: A escassez de unidades de saúde mental, a sobrecarga dos serviços públicos e a falta de estrutura nos centros de atenção psicossocial (CAPS) demonstram a carência de tratamentos psiquiátricos adequados fazem com que muitos pacientes busquem o Judiciário para garantir seu direito ao tratamento. dificultam o acesso ao atendimento, levando à judicialização; b) A Internação Involuntária: é outro motivo frequente de judicialização, pois, quando um paciente com transtorno mental se recusa ao tratamento ou não tem a capacidade de tomar decisões sobre sua saúde, a internação involuntária pode ser solicitada ao Judiciário. Contudo, o processo de internação involuntária deve ser rigorosamente regulamentado para evitar abusos e garantir que a medida seja aplicada com base na necessidade terapêutica; c) Acesso a Medicamentos: a necessidade de medicamentos de alto custo, como antidepressivos, estabilizadores de humor ou antipsicóticos, que não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), pode levar os pacientes ou seus familiares a buscar a obrigação do fornecimento por meio de ações judiciais. Os pacientes, muitas vezes, recorrem ao Judiciário quando o SUS ou planos de saúde se negam a fornecer medicamentos essenciais para o tratamento de doenças mentais; d) Tratamento e Reabilitação: A necessidade de tratamentos adequados, como terapias psicológicas, reabilitação psicossocial e atendimento especializado em centros de saúde mental, também é uma causa frequente de litígios. Em muitos casos, os pacientes não conseguem acesso imediato a esses serviços, levando-os a recorrer ao Judiciário.


Além de todos os motivos elencados ainda o judiciário ainda atende a demanda nada incomum é que são as ações para garantir condições adequadas de tratamento em unidades de saúde mental. Muitos hospitais psiquiátricos e clínicas especializadas apresentam condições precárias de atendimento e infraestrutura, o que gera um risco à saúde e dignidade dos pacientes. Os tribunais podem ser acionados para garantir que as unidades de saúde mental cumpram os padrões mínimos de cuidado.


O papel do Judiciário tem sido um instrumento importante de proteção dos direitos das pessoas com transtornos mentais, o que garante o acesso à saúde e impondo a obrigação do Estado e dos planos de saúde de fornecer tratamentos adequados. No entanto, a função do Judiciário deve ser equilibrada e cuidadosa, evitando que a judicialização prejudique a efetivação de políticas públicas mais amplas de saúde mental. Existem muitos casos que renderam êxito, para as pessoas com transtornos mentais que pleiteavam os seus direitos, porém, não se deve desconsiderar que por mais que o Judiciário, atue na defesa dos direitos dos pacientes, acaba por enfrentar limitações devido à falta de estrutura e recursos nos serviços públicos de saúde mental. Outro motivo que se deve destacar é os conflitos que surgem entre políticas públicas e decisões judiciais, especialmente quando a judicialização interfere em prioridades governamentais ou sobrecarrega o sistema de saúde. Conforme o entendimento da jurisprudência do TJ-PR- (TJPR - 8ª C.Cível - XXXXX-20.2019.8.16.0014 - Londrina) decidiu mais uma vez garantir o direito fundamental à saúde, em um caso específico sobre um paciente autista:


APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO CIVIL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA NA MODALIDADE ANTECIPADA C/C RESSARCIMENTO E DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – CRIANÇA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TERAPIAS MULTIDISCIPLINARES – NEGATIVA DE COBERTURA – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA QUE AUTORIZOU A REALIZAÇÃO DE TERAPIAS EM CLÍNICA NÃO CREDENCIADA, MAS LIMITADO AO VALOR PRATICADO NA TABELA DE CUSTOS DA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE – DEVER DE COBERTURA NO LIMITE DA TABELA DE CUSTOS – PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SENTENÇA MANTIDA NESTE PONTO – PLEITOS DE COBERTURA DE TRATAMENTOS DE MUSICOTERAPIA, ASSISTÊNCIA TERAPÊUTICA E DE FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E SUPLEMENTOS DOMICILIARES – PLANO DE SAÚDE QUE NÃO PODE LIMITAR AS TERAPIAS NEM O CUSTEIO DE MEDICAMENTOS E SUPLEMENTOS DE USO DOMICILIAR – PRESCRIÇÃO PELO MÉDICO ESPECIALISTA – DEVER DE CUSTEIO – PARTE INTEGRANTE DO TRATAMENTO – DANO MATERIAL – DEVER DE RESSARCIMENTO DO CUSTEIO DE SESSÕES PARTICULARES DE PSICOLOGIA, TERAPIA OCUPACIONAL, SERVIÇOS MÉDICOS, SESSÕES ABA, MUSICOTERAPIA E MEDICAMENTOS E SUPLEMENTOS DE USO DOMICILIAR NOS LIMITES DA TABELA DO PLANO DE SAÚDE. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Considerando que o vínculo dos profissionais de saúde com a paciente é essencial para o desenvolvimento do seu quadro clínico, outra solução não há senão permitir que a autora possa realizar as sessões de fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia ABA fora da rede credenciada, ficando a requerida vinculada ao reembolso das despesas no limite dos valores previstos em sua Tabela de Preços própria. 2. Tendo em vista que os procedimentos de musicoterapia e assistência terapêutica não foram escolhidos pela demandante por mera liberalidade, mas prescritos por profissional médico especialista, de rigor sua cobertura pela demandada. 3. Diante da indicação profissional técnica dos medicamentos e suplementos de uso domiciliar à requerente, patente o dever de custeio pela requerida. 4. Sendo indevida a negativa de cobertura dos tratamentos de sessões de psicologia, terapia ocupacional, serviços médicos, sessões ABA, musicoterapia e medicamentos/suplementos de uso domiciliar, evidente o dever da demandada em indenizar a autora pelos prejuízos advindos da necessidade de arcar com os tratamentos particulares mencionados, no limite dos valores previstos em sua Tabela de Preços, em montante a ser apurado em liquidação de sentença. (TJPR - 8ª C.Cível - XXXXX-20.2019.8.16.0014 - Londrina - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU ADEMIR RIBEIRO RICHTER - J. 26.05.2022)


(TJ-PR - APL: XXXXX20198160014 Londrina XXXXX-20.2019.8.16.0014 (Acórdão), Relator: Ademir Ribeiro Richter, Data de Julgamento: 26/05/2022, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: 30/05/2022).


A jurisprudência foi tomada como exemplo, para que haja melhora nas condições de fornecimento dos tratamentos das várias demandas que envolvam a saúde mental.

Devido a estas necessidades deve sim haver uma reforma psiquiátrica, pois, a que vise a desinstitucionalização e criação redes de apoio comunitário, para garantir o tratamento da saúde mental com mais dignidade e menos internações. No entanto, essa reforma esbarra em desafios como a falta de recursos, a deficiência de serviços substitutivos e a dificuldade de implementação de políticas públicas eficazes.


No dever do Judiciário, ao se deparar com a judicialização crescente sobre saúde mental deve buscar soluções que respeitem os direitos humanos e o acesso aos recursos ao mesmo tempo que promova a efetividade das políticas públicas. Logo, o Judiciário deve ser o guardião dos direitos sociais das pessoas, a exemplo à saúde, não a principal forma de acesso ao tratamento quando ele deveria ser proporcionado de forma universal.



Núcleo Científico Interno - (NCI)


Dra. Andreza da Silva Jacobsen

Dr. Edmundo Rafael Gaievski Junior


REFERÊNCIAS




BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de Abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm Acesso em: 16 jan. 2025.


PARANÁ.  Tribunal de Justiça. TJPR - 8ª C.Cível - XXXXX-20.2019.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Juiz de Direito Substituto em 2º Grau Ademir Ribeiro Richter - J. 26.05.2022) Jusbrasil, 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/. Acesso em: 16 jan. 2025.


RIO GRANDE DO SUL. Procuradoria Geral do Município de Porto Alegre. Saúde mental: soluções para além da judicialização. Prefeitura de POA, 2022. Disponível em:https://prefeitura.poa.br/pgm/noticias/artigo-saude-mental-solucoes-para-alem-da-judicializacao. Acesso em: 16 jan. 2025.

 
 
 

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