Abuso Sexual Infantil e Saúde: Conflitos e Desafios entre o Judiciário e os Diagnósticos Médicos
- Andreza Jacobsen
- 13 de mar.
- 5 min de leitura
O abuso sexual infantil é um crime grave que causa danos psicológicos, emocionais e físicos de longo prazo nas vítimas. Além de ser uma violação dos direitos humanos da criança, o abuso sexual impõe um impacto devastador sobre o desenvolvimento emocional e social da criança, deixando marcas profundas. A resposta a esse tipo de violência envolve não apenas o sistema de saúde, mas também o sistema judiciário e assistencial que deve buscar a melhor solução para a vítima, além de aplicar as punições devidas ao agressor. No entanto, a interação entre os diagnósticos médicos e as demandas judiciais para provar o abuso sexual infantil é marcada por desafios e conflitos, que exigem um equilíbrio entre as evidências médicas e os direitos da criança.
O diagnóstico médico do abuso sexual infantil é um componente essencial na identificação do crime, embora não seja uma tarefa simples. A detecção de sinais físicos de abuso sexual em crianças pode ser difícil, especialmente em casos onde o abuso não resultou em lesões visíveis. Os exames médicos podem incluir análises ginecológicas, anais e a coleta de evidências forenses, como DNA, além de outras técnicas de investigação, como exames de imagem e entrevistas com a criança.
A principal dificuldade no diagnóstico médico de abuso sexual infantil está na sobreposição dos sintomas com outras condições clínicas, além da variabilidade na resposta da criança ao trauma. Muitas vezes, as lesões podem ser mínimas ou inexistentes, o que exige uma abordagem cuidadosa para não estigmatizar a criança ou fazer diagnósticos errôneos. Além disso, é importante lembrar que a criança pode não ser capaz de relatar adequadamente a violência, seja por medo do agressor ou por uma questão de desenvolvimento cognitivo.
Em termos médicos, o abuso sexual infantil é diagnosticado através da análise de sinais físicos, como lesões em órgãos genitais, presença de infecções sexualmente transmissíveis ou gravidez precoce. No entanto, muitas vezes o abuso pode não deixar marcas físicas visíveis, o que torna o diagnóstico mais complexo. Nesse contexto, o papel dos profissionais da saúde vai além da detecção de lesões físicas, incluindo também a observação de sinais comportamentais e psicológicos, que podem ser tão significativos quanto os sinais físicos.
No processo judicial, o Judiciário busca assegurar a proteção da criança e garantir que o responsável pelo abuso seja identificado e punido. Para que o caso seja considerado de abuso sexual, as evidências precisam ser claras e consistentes. O problema é que o sistema judicial exige provas substanciais, muitas vezes com base em testemunhos e evidências físicas, que nem sempre são fáceis de obter. O Conselho Tutelar possui o papel fundamental na proteção das crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, sendo uma instituição chave na garantia dos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em casos de abuso sexual infantil, a atuação do Conselho Tutelar é decisiva.
Quando a denúncia de abuso chega ao conhecimento da instituição, seja por meio de familiares, vizinhos, escolas ou outros órgãos, o Conselho Tutelar deve adotar uma série de medidas para proteger a criança e garantir que ela tenha acesso aos cuidados e suporte necessários. Apuração e Investigação; Encaminhamentos para a Rede de Proteção; Medidas de Proteção: como por exemplo o afastamento temporário do agressor e principalmente o acompanhamento de cada caso específico, pois, é um órgão de apoio essencial para levar ao judiciário as demandas de maneira mais clara e detalhada auxiliando na complementação dos diagnósticos de abusos.
O papel do Judiciário na questão do abuso sexual infantil é crucial, pois ele deve assegurar que as vítimas sejam tratadas com dignidade e que seus direitos sejam protegidos durante todo o processo judicial. Todavia, o judiciário não atua sozinho, pois, o juiz, ao tomar decisões, deve considerar todas as evidências, incluindo os diagnósticos médicos, relatos do conselho tutelar, e de psicólogos responsáveis, antes da necessidade de ouvir a criança, com objetivo de agravar a situação do trauma.
Entretanto, a relação entre as evidências médicas e os procedimentos judiciais pode ser conflituosa, principalmente quando o diagnóstico médico não é conclusivo. Isso pode levar a situações em que o caso judicial dependa de outros fatores, como o testemunho da vítima ou de testemunhas, o que pode resultar em uma dificuldade para o Judiciário estabelecer a veracidade do ocorrido.
Os conflitos entre o sistema de justiça e os diagnósticos médicos no contexto do abuso sexual infantil surgem principalmente por causa das dificuldades em provar o abuso de maneira objetiva. Um diagnóstico médico de abuso sexual infantil não garante, por si só, a condenação do agressor, e o Judiciário não pode se basear exclusivamente nesse diagnóstico. Para o Judiciário, é necessário que as provas sejam claras e irrefutáveis, o que exige uma análise crítica das evidências médicas, bem como da credibilidade das testemunhas e da criança vítima.
Além disso, existem várias questões éticas e legais que dificultam a interseção entre a medicina e o direito. Entre essas questões, destaca-se o consentimento da criança em ser submetida a exames médicos invasivos e o possível estigma que ela pode carregar após o diagnóstico. Isso pode causar trauma adicional e impactar a saúde mental da criança, complicando o trabalho dos profissionais da saúde e dos advogados que atuam na proteção da vítima.
Outro desafio é o fato de que nem todos os abusos sexuais deixam sinais físicos visíveis, o que significa que, muitas vezes, o abuso pode ser diagnosticado apenas com base em relatos comportamentais e psicológicos. O Judiciário, por sua vez, pode ter dificuldades em lidar com esses relatos, já que a credibilidade da vítima pode ser questionada, especialmente em casos em que a criança é muito jovem ou tem dificuldades para se expressar adequadamente.
Para lidar com os conflitos entre o diagnóstico médico e as demandas judiciais no contexto do abuso sexual infantil, é importante estabelecer boas práticas que integrem as áreas da saúde, da psicologia e do direito. Isso pode incluir:
Capacitação de profissionais da saúde para reconhecer sinais de abuso sexual infantil e lidar com as questões emocionais e psicológicas das vítimas de maneira sensível e eficaz.
Uso de exames forenses e técnicas especializadas para garantir a coleta adequada de provas, respeitando a criança e minimizando o trauma causado por exames invasivos.
Adoção de práticas judiciais mais sensíveis, como a oitiva da criança em um ambiente adequado, utilizando-se de profissionais especializados em depoimentos, para evitar a revitimização.
Integração entre as áreas de saúde e justiça, com a criação de equipes multidisciplinares que possam avaliar o caso de maneira holística, considerando os aspectos médicos, psicológicos e legais.
Portanto, o abuso sexual infantil é um crime grave que exige uma resposta rápida e eficaz tanto da parte dos profissionais da saúde quanto do Judiciário. No entanto, os conflitos entre os diagnósticos médicos e as exigências do processo judicial criam desafios significativos, que demandam soluções colaborativas e bem coordenadas. A capacitação de profissionais da saúde, a integração entre as diferentes áreas do conhecimento e a implementação de boas práticas judiciais são fundamentais para garantir a proteção das crianças vítimas de abuso sexual e assegurar que os responsáveis sejam responsabilizados adequadamente, sem causar mais danos à vítima.
Núcleo Científico Interno (NCI)
Ma. Andreza da Silva Jacobsen
Esp. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 13 mar. 2025.
ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069/90. 7 ed. rev. amp. São Paulo: Saraiva, 2015.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 13 mar. 2025.
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