A Relação entre Informalidade, Desigualdade Salarial e a Violação de Direitos Humanos nas Relações de Trabalho
- Andreza Jacobsen
- 30 de jan.
- 6 min de leitura
A informalidade no mercado de trabalho e a desigualdade salarial são fenômenos que, embora muitas vezes vistos como questões econômicas, estão profundamente entrelaçados com as violação de direitos humanos no contexto das relações laborais. Para entender essa inter-relação, é essencial analisar como a informalidade contribui para a ampliação da desigualdade salarial e, ao mesmo tempo, como essa configuração impacta diretamente a dignidade humana e os direitos fundamentais dos trabalhadores.
A informalidade no mercado de trabalho é caracterizada pela ausência ou precarização de vínculo formal de emprego, o que significa que o trabalhador não possui um contrato formal de trabalho, direitos como: férias, 13º salário, FGTS, aposentadoria, entre outros. Do contrário o trabalho formal garante benefícios trabalhistas e previdenciários para o empregado, tais como: FGTS, férias, seguro-desemprego, 13º salário, abono salarial, auxílio-doença, auxílio-acidente de trabalho, salário-maternidade, salário-família e aposentadoria. Além disso, a assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS facilita a comprovação de rendimentos fixos utilizada para fins de crediário, bem como a demonstração de experiência por parte do trabalhador. A informalidade pode ocorrer de diferentes maneiras, seja por meio de trabalho autônomo, na forma conhecida como "bicos", trabalho terceirizado ou em condições em que as relações de emprego não são devidamente registradas.
No Brasil, a informalidade tem sido uma característica do mercado de trabalho desde décadas passadas, com muitos trabalhadores fora da proteção legal proporcionada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de outras normas reguladoras e protetoras dos trabalhadores. Embora as estatísticas sobre informalidade variem, é inegável que uma grande parte da força de trabalho continua a enfrentar essas condições precárias.
A informalidade está diretamente ligada à desigualdade salarial, por diversas razões. Primeiramente, os trabalhadores informais têm menos acesso a salários justos, muitas vezes sendo pagos abaixo do que seria considerado um valor mínimo digno para a realização de suas atividades. Além disso, a falta de regulamentação da jornada de trabalho e a ausência de benefícios típicos do regime formal, como horas extras e adicional de insalubridade, resultam em uma perda substancial de poder aquisitivo para o trabalhador. Conforme a Organização Internacional do Trabalho, OIT, revela que o trabalho informal representa 70% dos empregos criados desde o segundo semestre de 2020 em vários países da América Latina. No Brasil, por exemplo, a taxa é de 68%.
De acordo, com a Recomendação nº 204 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativa à Transição da Economia Informal para a Economia Formal, a informalidade diz respeito a todas as atividades econômicas dos trabalhadores que não estejam cobertas ou estejam insuficientemente cobertas por disposições formais.
Conforme a reportagem da ONU (2021) sobre perspectivas em relação ao trabalho informal, os efeitos da informalidade na desigualdade salarial são exacerbados por fatores sociais, como gênero, raça e classe social. Por exemplo, trabalhadores informais são, em sua maioria, pessoas de baixa renda ou mulheres e negros, que enfrentam um mercado de trabalho extremamente desigual. Dessa forma, como alternativa de inserção muitas vezes, a informalidade é a única alternativa para essas pessoas, já que o mercado formal é predominantemente seletivo e excludente, que restringe o acesso igualitário às oportunidades de emprego. A América Latina e Caribe sofre com a informalidade no trabalho, pois esta contribui para a desigualdade salarial, e também está diretamente relacionada à violação de direitos humanos nas relações de trabalho. Sendo assim, as principais formas de violação que ocorrem nesse contexto são:
A falta de condições dignas de trabalho: Trabalhadores informais, muitas vezes, não têm acesso a ambientes de trabalho seguros, adequados ou mesmo mínimos para a realização de suas funções. Não possuem equipamentos de proteção, não têm acesso a saúde e segurança no trabalho e, em muitos casos, enfrentam jornadas extenuantes sem as devidas compensações.
A exploração do trabalho: A informalidade pode criar um terreno fértil para a exploração de trabalhadores, com salários abaixo do mínimo ou o não pagamento de horas extras, férias ou 13º salário. A ausência de contratos formais torna difícil a fiscalização e o controle das condições de trabalho, tornando o trabalhador vulnerável à exploração.
A ausência de direitos sociais: Sem registro formal, o trabalhador informal não tem direito a benefícios como seguro-desemprego, licença-maternidade, aposentadoria ou licença médica remunerada. Isso configura uma violação dos direitos humanos básicos, já que ele é privado de uma rede de proteção social fundamental.
A vulnerabilidade e abuso de poder: Trabalhadores informais, muitas vezes, não têm como denunciar abusos ou condições de trabalho inadequadas, pois, sem o amparo legal, temem perder o emprego e ficar sem fontes de renda. Além disso, as relações de subordinação tendem a ser mais intensas e abusivas, já que o trabalhador informal se encontra em uma posição de dependência extrema e sem alternativas viáveis.
A falta de acesso à justiça e à negociação coletiva: O trabalhador informal raramente tem acesso a instâncias jurídicas formais ou a negociação coletiva, que são direitos assegurados a trabalhadores formais. Ele fica à mercê do empregador, sem os mecanismos para reivindicar direitos ou resolver conflitos. Isso, por sua vez, impede que o trabalhador possa buscar proteção contra discriminação, assédio moral ou sexual e outros tipos de abusos que podem ocorrer no ambiente de trabalho.
A violação dos direitos humanos no contexto da informalidade e desigualdade salarial envolve principalmente os direitos econômicos, sociais e culturais, que estão previstos em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC/1966).
Dessa maneira, esses direitos incluem o direito à condições de trabalho justas e favoráveis, a proteção contra a exploração e a garantia de um salário suficiente para uma vida digna. Por isso, a informalidade, ao criar uma situação de desproteção, impede que os trabalhadores exerçam esses direitos e, consequentemente, compromete sua dignidade.
Outro aspecto importante é que a desigualdade salarial também está intimamente conectada com a violação do princípio da igualdade consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que estabelece que todos devem ser tratados com dignidade e igualdade, independentemente de sua origem, gênero, etnia ou condição social. Logo, a discriminação salarial, amplificada pela informalidade, cria uma disparidade injusta no tratamento dos trabalhadores, o que constitui uma violação de seus direitos à igualdade e não discriminação, conforme consta nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal.
A principal alternativa para o problema da informalidade e a desigualdade salarial não é apenas a formalização do trabalho, mas também a implementação de políticas públicas mais eficazes para garantir a proteção social, a igualdade de oportunidades e a justiça salarial. Algumas dessas políticas que devem ser incluídas são:
Reformas trabalhistas que favoreçam a inclusão e a formalização de trabalhadores em setores informais.
Ampliar a fiscalização sobre as condições de trabalho e garantir que os direitos trabalhistas sejam efetivamente cumpridos, mesmo para trabalhadores informais.
Adoção de políticas de igualdade salarial, com a promoção de uma remuneração justa para todas as categorias, independentemente do gênero, etnia ou origem social do trabalhador.
Incentivos à educação e à qualificação profissional, para permitir que trabalhadores marginalizados ou de setores informais possam acessar postos de trabalho formalizados e melhores remunerados.
Fortalecimento das entidades sindicais e da negociação coletiva, de modo a permitir que trabalhadores informais possam se organizar e lutar por seus direitos.
Embora o Brasil tenha a legislação específica para combater a informalidade, o país ainda enfrenta grandes desafios para garantir a inclusão dos trabalhadores informais no mercado de trabalho formal. Alguns dos principais desafios incluem: a) A falta de fiscalização efetiva das condições de trabalho, especialmente em setores informais; b) A falta de educação financeira e orientação para trabalhadores autônomos sobre os benefícios da formalização; c) A fragilidade do sistema de proteção social, que não alcança adequadamente os trabalhadores informais; d) A falta de acesso a qualificação profissional para trabalhadores de setores informais; e) A resistência dos empregadores em formalizar trabalhadores, devido aos custos adicionais de benefícios trabalhistas.
O que deve ser interpretado é que a informalidade no trabalho e a desigualdade salarial não são fenômenos isolados, mas, questões complexas que envolvem a violação de direitos humanos fundamentais.
Logo, a precarização do trabalho e a discriminação salarial comprometem não apenas a dignidade dos trabalhadores, mas também o princípio da igualdade e a justiça social. Portanto, é essencial combatê-los, não apenas reformas legais e políticas públicas, mas, também uma mudança de mentalidade, no sentido de reconhecer que o respeito aos direitos humanos no ambiente de trabalho é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Núcleo Científico Interno (NCI)
Me. Andreza da Silva Jacobsen
Esp. Edmundo Rafael Gaievski Junior
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 jan. 2025.
BRASIL. Decreto lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 30 jan. 2025.
BRASIL. Ministério do Trabalho e do Emprego. Combate à Informalidade. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/areas-de-atuacao/combate-a-informalidade. Acesso em: 30 jan. 2025.
ILO. Internacional Labour Organization. Recomendação sobre a transição da economia informal para a economia formal n.º 204. 2015. Disponível em: https://normlex.ilo.org/dyn/nrmlx_en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:R204. Acesso em: 30 jan. 2025.
OEA. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Adotada pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20os%20Direitos%20Econ%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf. Acesso em: 30 jan. 2025
UN. Nações Unidas. Emprego informal representa 70% dos novos postos de trabalho na América Latina. Nações Unidas, ONU News, 2021. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2021/09/1762572. Acesso em: 30 jan. 2025.
UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 30 jan. 2025.
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